Este texto foi retirado do grupo “VisãoÁgil” e foi postado por “Alberto Caetano”.
Sim, você conhece a figura, porque existe pelo menos um Ego em cada empresa. Quando alguém reclama que já falou “com Deus e todo mundo”, o Ego corrige: “Com todo mundo pode ser, mas comigo ninguém falou.”
EM TODAS AS EMPRESAS POR ONDE PASSEI, nunca deixei de topar com uma das várias encarnações do Ego. O Ego é aquele profissional cuja competência e intelecto estão muito, deveras, acintosamente acima do cargo que ocupa atualmente, e de qualquer outro que venha a ocupar no futuro. O Ego veio a este mundo para brilhar, e se espanta quando seus colegas de trabalho não se ofuscam com sua luz de supernova. Mas o Ego é magnânimo e releva. Afinal, não se pode esperar muito das pessoas apenas normais – nós, que compomos aquela insignificante parcela da população a que o Ego se refere como “o resto”.
Há algumas características típicas no comportamento do Ego. Anote-as, para se lembrar sempre de que todos somos pó, e para o pó voltaremos. Exceto, é claro, o Ego, que acredita ser o dono do aspirador.
DISCURSO – O Ego não fala, entona. Não discute, ensina. Não pigarreia, reverbera a laringe. Quando o Ego resolve compartir seu repertório de pérolas verbais, o convite à vítima soa explícito: “Vem cá, tem um assunto que eu quero monologar com você”.
EXPERIÊNCIA – Não há nada que a gente faça que o Ego não tenha feito antes, e melhor. Nessas horas, o Ego faz uso de uma de suas habilidades essenciais, a
de transferir o foco da conversa para si mesmo. Certa vez, um colega chegou atrasado e comentou: “Droga, furou um pneu”. E o Ego, que estava por perto, emendou de primeira: “Aconteceu comigo o mês passado. Em Londres”.
CONTATOS – Todas as pessoas importantes fazem parte do rol do Ego. Alguém aí citou um advogado? O vizinho do Ego é o melhor da América Latina. Um desembargador? O Ego joga tênis com o próprio, às terças e quintas. Um figurão, a quem alguém se referiu como “o doutor Guimarães?” O Ego distraidamente dirá: “Ali, o Guima”.
FUTURO – O Ego é um predestinado, e está sempre se preparando para dar o próximo passo. Por isso, não lhe sobra muito tempo para se dedicar à sua função atual. Quando perguntado sobre ela, o Ego começará a frase com “Bom, no momento eu sou…”
EQUIPE – O Ego nunca faz parte, só está circunstancialmente junto. Em reuniões, costuma menear a cabeça em desaprovação quando alguém faz um comentário. Convidado a opinar, dirá vagamente: “Só há uma solução, e todos sabemos qual é”. Durante o silêncio que se segue, o Ego fará uso de uma poderosa arma de seu arsenal, o sorriso enigmático, até que alguém se arrisque a dizer alguma coisa. E aí o Ego meneará a cabeça em desaprovação. E sorrirá enigmaticamente.
POLÍTICA – Se há alguém bem informado sobre o que os altos mandatários da empresa pensam, essa pessoa é o Ego. Mas o que exatamente o Ego sabe? “Só posso dizer que a situação é bem complexa…” Vai ter corte de pessoal? Toda a estratégia será mudada? Vão suspender o nosso cafezinho? “Essas são algumas possibilidades, mas há outras…” E, aconteça o que acontecer, o Ego dirá depois: “Eu avisei, eu avisei…”
TRAJE – O Ego se veste diferente. Até mesmo naquelas empresas em que o traje “casual” de trabalho possa dar a um visitante incauto a impressão de que dali a meia hora vai haver uma recepção para a rainha da Inglaterra, ainda assim o Ego se vestirá de maneira a fazer o príncipe de Gales parecer um proletário emergente.
DETALHES – O cartão de visitas do Ego é o único que foge do padrão da empresa. Os papeizinhos onde rabisca mensagens são personalizados. Em seu local de trabalho, há no mínimo um certificado emoldurado de uma universidade americana, e uma foto do Ego vestido de esquiador, velejador ou pára-quedista. Até seu cortador de unha é de grife.
RELAÇÕES – O Ego não faz amizade com colegas de nível hierárquico igual ou menor que o seu, porque isso pode ser perigoso. Afinal, o Ego raciocina, futuramente todos serão seus subordinados, e aí a amizade pode atrapalhar, sabe como é, as pessoas confundem. Porém, é amicíssimo dos superiores, embora eles ainda não se tenham dado conta disso.
CULTURA – O Ego não lê os livros que todo mundo lê, porque ele não é “todo mundo”. Detesta modismos, a não ser aqueles que ele descobriu antes. E adora encaixar termos de inglês em suas conversas coloquiais. Chama reunião de meeting, manual de book e intervalo de break, mesmo se, e principalmente quando, trabalha em empresa nacional.
TEMPO – A sabedoria do Ego não pode ser aprisionada dentro de reles convenções de horário. Quando se pede a um grupo de apresentadores que falem “no máximo 10 minutos”, o Ego falará meia hora. O Ego sempre chega atrasado aos compromissos, mesmo quando se adianta. Aí, esperará até que todos os presentes estejam acomodados, para que sua entrada no recinto não passe despercebida.
ENGANO – O Ego nunca erra. Apenas, algumas raras vezes, aquiesce que circunstâncias ulteriores tiveram uma influência indesejada no resultado esperado.
O ponto crucial é: como lidar com o Ego, já que a solução mais prática – atirá-lo do alto do prédio – está fora de cogitação? Não adianta colocar-lhe um apelido carinhoso, como “Top Model”. Ou transformar seus hábitos em piada. Nada disso funciona porque o mundo em que o Ego vive é impenetrável. O Ego não dissimula, ele está realmente convencido de que é aquilo que todos pensam que ele não é, uma ilha de genialidade cercada de incompetência por todos os lados.
Não há solução, a não ser paciência e bom humor. Aprendi isso no dia em que a mais completa tradução da filosofia do Ego me foi passada por um deles, ao comentar o crescente processo de automação no trabalho: “No futuro”, o Ego me disse em êxtase, “não haverá mais gente nas empresas. Só nós”. (… e as centenas de processos inúteis eu diria rsrsrs)
Link do post original:
http://blogdoabu.blogspot.com/2007/08/sua-excelncia-o-ego.html